Leituras: Birdboy, de André Resende


 ISBN: 978-85-61293-12-3
Editora: Cubzac
 Ano: 2010


Birdboy: um adolescente que pensa pelos adultos   
(Birdboy, de André Resende, CUBZAC, 2010, R$ 30,00)


Alexandre Black *





Filipo, ou Pipo, como é conhecido pelos amigos e familiares, é um adolescente que faz coisas de adolescente, passa horas e horas em frente ao PC, ou MAC, explorando as possibilidades da “rede”. Nessa outra dimensão ele é Birdboy, líder de um jogo de 100 estágios, ou Level, na linguagem dos internautas de qualquer idade. Seus pais fazem pesadas críticas à suposta alienação da “geração PC”. Um dia, seu mundo virtual é invadido por uma pessoa desconhecida que se diz chamar Yaruba e morar na África. Afirma, ainda, que está escondida e corre perigo porque o governo militar de plantão persegue a sua família, guardiã de um segredo... Seus pais, inclusive, fugiram do país e foram morar na Itália...



Yaruba pede, desesperadamente, ajuda a Filipo e total discrição. Estão sendo rastreados por forças que não são capazes de controlar: o Estado. Não podem ficar mais que uma hora por vez em bate papo ou descobrirão o seu paradeiro, demonstrando que a “rede” não é aquele lugar desprovido de censura e controle a qual muitos desejam. Intrigado com tal situação Filipo pesquisa na “rede” tudo sobre a África e seus problemas. Faz perguntas ao pai e aos professores, esses quase nunca sabem responder.  



Em Birdboy, o autor nos leva ao universo on-line de uma geração que cresceu em frente à tela de computador, teclados, mouse e joystick. Para esses jovens a Internet não tem segredos. Através das redes sociais conhecem pessoas de todos os lugares da Terra, basta um click e mais um amigo é adicionado. Se querem conhecer Londres é só abrir o Google Earth e imagens em 3D de todos os ângulos possíveis aparecerão no monitor. Sem perigo de o avião cair e sem precisar trabalhar durante seis meses para pagar a viagem, o custo da eletricidade é baixo e acessível  a todos... Bem, através de Yaruba, Filipo descobre que nem todos podem “navegar” na tranquilidade do lar, milhões nem lar tem. Em pleno século XXI coisas básicas como luz, água e, acima de tudo, liberdade, não faz parte da vida de mais da metade da população mundial.

O livro nos leva a esses lugares distantes fora da realidade de milhões de adolescentes da classe média brasileira que vivem fechados em seu mundo, e não estou falando do “planeta” Internet. Falo dos muros de dez metros de altura, das câmeras de segurança que nos espionam vinte e quatro horas por dia, dos seguranças armados que a cada novo assalto demonstram não adiantar de nada e das ruas sem crianças, portanto, vazias... Crianças mesmo só as que pedem esmolas ou assaltam os transeuntes. A África de Yaruba é a favela que vejo da janela do meu apartamento enquanto escrevo essas linhas. Intensa, a globalização ocorrida nos últimos vinte anos nos possibilita contato com todo o mundo. Mas não faz de ninguém “cidadão do mundo”, como muitos outros perseguidos políticos, ou pela miséria, Yaruba é africana e nem que ela consiga a cidadania de outro país deixará de ser, racismo existe em todo lugar. Inclusive, o segredo que ela carrega é uma verdadeira apologia a diversidade. 



De forma precisa, André Resende tenta demonstrar aos adolescentes como o planeta é maior que a Internet, mais não pensem que essa obra é uma crítica aos modernos meios de comunicação como a que o pai do nosso herói vive fazendo. Ou que a juventude “alienada” provocará a destruição da humanidade. É através de Birdboy que todos os adultos do livro poderão fazer algo para salvar uma pessoa. O jovem pouco promissor se mostra à altura da tarefa imposta a ele pelas circunstâncias. O que não se mostra à altura é o colégio: curta mais avassaladora é a crítica do autor ao sistema de ensino incapaz de acompanhar o desenvolvimento tecnológico e fazer uso dos modernos instrumentos de ensino. Para os alunos, alienados, ali, são os professores, sempre falando de coisas que hoje, para milhões de crianças, só existe dentro da sala de aula. Da porta pra fora, o mundo é online e interativo e sem os incentivos certos, como a Internet, não esperemos que nossas crianças aprendam a amar, ou pelo menos gostar, do simples e maravilhoso ato de ler.

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Alexandre Black é historiador e escritor. Atualmente, conclui o mestrado em história na UFPE. xandeblack2@yahoo.com.br